Opinião
'Léo Lins flerta com o Fascismo - Quando o humor vira ironia', por Eduardo Martins
Folha de Dourados
Eduardo Martins, docente adjunto 4, curso de História, (UFMS-NA) –
‘“Se você rir de mim sem que eu rir também, quer dizer que não foi engraçado, foi ofensivo’ Não ria DE MIM, ria COMIGO'’ Cortella.
Quem não está acompanhado o caso policial e de justiça envolvendo o “comediante' Léo Lins, que faz piada com a vida de pessoas. Confesso que nunca tinha ouvido falar nesse tipo de humorista. Mas que, o debate atual sobre a sua condenação por racismo; prisão e pagamento de multa me levou a conhecê-lo, ou pelo menos pesquisar sobre a situação; discurso de ódio.
Em primeiro lugar, a condenação é mais do que justa, uma vez que ele não foi censurado, ele fez seu show e apenas está sendo julgado por coisas criminosas que ele mesmo disse.
Na obra “Discurso de ódio: uma política do performativo' (1997), Judith Butler faz uma reflexão crítica sobre como a linguagem pode ser utilizada como ferramenta de violência, opressão e exclusão.
Fui a campo, por obrigação de ofício, cientista social, enquanto historiador, assisti um pouco dos seus shows de stand up de “comédia'.
Logo de cara achei horríveis suas piadas sobre pessoas com algum tipo de deficiência física ou mental. Tanto quanto horrível a sua plateia rindo daquilo que ele intitula seu show de “humor negro' – num claro e manifesto ato de racismo.
Nesse ponto, fui ler sobre a teoria e a filosofia do riso e do humor. Assim cito o texto clássico de Henri Bergson (1858-1941), filósofo francês e ganhador do Nobel de Literatura, seu texto “O riso', publicado originalmente no ano de 1900. Nele o autor mostra que esse tipo de piada contra a sociedade além de mal gosto cumpre uma função opressora. Segundo diz: “E por isso a sociedade faz pairar sobre cada um, quando não a ameaça de um castigo, pelo menos a perspectiva de uma humilhação que, por ser leve, nem por isso é menos temida. Tal deve ser a função do riso. O riso é verdadeiramente uma espécie de trote social, sempre um tanto humilhante para quem é objeto dele' (Bergson, 1983, p.65).
O próprio Bergson, se queixa de ser vítima de piadas de mal gosto, o que hoje chamamos de bulling. E, quem nunca foi alvo, vítima e oprimido por piadinhas preconceituosas, e/ou formas de racismo recreativo “você é preto, mas é legal', o cara é gordo, mas joga bola', “apesar de ser gay é uma cara gente fina', e tantas outras expressões desse nível de idiotia social e racismo cotidiano.
E, para Bergson (1983, p.67): “O cômico, dissemos, dirige-se à inteligência pura; o riso é incompatível com a emoção. Mostrem-me um defeito por mais leve que seja: se me for apresentado de modo a comover minha simpatia, ou meu temor, ou minha piedade, acabou-se, já não há mais como rir dele'.
Fui também reler meu “manual', “Pequeno tratado das grandes virtudes' (2009), ali está o humor como uma das virtudes humanas em que o filósofo francês André Comte-Sponville (2009, p.230), faz uma bela e necessária reflexão sobre o que ele considera ser uma virtude do humor. Segundo ele: “tudo o que não é trágico é irrisório, Eis o que a lucidez ensina. E o humor acrescenta, num sorriso que não é trágico…'.
Por fim, declara o filósofo acima mencionado que “[…] há rir e rir, e cumpre distinguir aqui o humor da ironia. A ironia não é uma virtude, é uma arma – voltada quase sempre contra outrem. É o riso mau, sarcástico, destruidor, o riso da zombaria, o riso que fere, que pode matar, é o riso a que Spinoza renuncia (no ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere), é o riso do ódio […] (Comte-Sponville, 2009, p.231).
E mais adiante conclui seu posicionamento antifascista pelo poder do bom riso, do humor cômico. Diz que “Nossos humoristas, como se diz, ou como eles dizem, muitas vezes não am de ironistas, de satiristas' […] (p.231).
É o caso do Léo Lins um satirista e ironista tentando fazer humor, fazer rir contra pessoas humanas, da sua sociabilidade e vida oprimida ou portadoras de necessidades especiais. “A ironia ri do outro […] o humor ri de sí' (Comte-Sponville, 2009, p.232).
Outra vez Comte-Sponville (2009, p.229/235), “Já citei a famosa fórmula de Spinoza: ‘não ridicularizar, não deplorar, não amaldiçoar, mas compreender? Resta rir – não contra (ironia), mas de, mas com, mas no (humor). Ou, “Não exageremos porém a importância do humor. Um canalha pode ter humor; um herói pode não ter'.
Finalmente e, para aqueles, que acham que “o mundo está ficando chato'. Digo que vai ficar muito mais, uma vez que o alargamento dos direitos sociais, civis e políticos vão sendo apreendidos por indivíduos oprimidos/as e marginalizados/as, nessa ordem, historicamente vão se insurgindo e contracolonizando, descaravelizando as práticas opressoras do patriarcado euro-cristão.
Se você consegue rir com um tipo de piada do Léo Lins, é melhor você rever seus conceitos sobre o fascismo.
Em tempo e no apagar das luzes, li de um colega, agorinha: “quero ver o Léo Lins fazer piadinha de preso; na cadeia'.